Trabalho multidisciplinar do Hospital das Clínicas evita amputações decorrentes de diabetes
Calos, feridas e deformações nos pés que, quando não
tratadas, podem levar a amputações. As características descritas são
típicas do pé diabético, mal que pode atingir a maioria dos portadores
de diabetes. Estima-se que 50% das amputações não traumáticas de membros
inferiores nos Estados Unidos sejam decorrentes da doença. Já no
Hospital das Clínicas da FMUSP, ligado à Secretaria de Estado da Saúde, o
Ambulatório do Pé Diabético registra um índice de amputação de 3,7% dos
casos atendidos, graças ao trabalho de uma equipe multidisciplinar
especializada, composta por endocrinologistas, ortopedistas e terapeutas
ocupacionais. "Até sapato especial nós fornecemos, sem qualquer custo",
informa o médico Rafael Ortiz, ortopedista do Grupo do Pé do Instituto
de Ortopedia e Traumatologia do HC (IOT).
Os atendimentos do
Grupo são voltados a pacientes graves vindos de outros ambulatórios do
Complexo HC. De acordo com o levantamento do Ambulatório, 30% dos 300
pacientes atendidos nos últimos seis anos eram portadores de neuropatia
de Charcot e 42% já foram hospitalizados para tratamento de
complicações. Ainda segundo o estudo, 18,3% já haviam passado por
amputações antes de serem encaminhados ao Ambulatório do Pé Diabético.
Os
números ajudam a entender a importância da baixa taxa de amputação
registrada. "Casos como Neuropatia de Charcot estão associados a uma
alta taxa de mortalidade e amputação", destaca o doutor Ortiz,
acrescentando que os 3,7% de amputações demonstram o sucesso da
experiência. O médico ainda ressalta que o acompanhamento no HC é
frequente e individual.
O pé diabético, de acordo com o
ortopedista, não acontece da noite para o dia. Esse e outros problemas
decorrentes de diabetes - como AVC, retinopatia, neuropatias,
dificuldades renais e até problemas no coração - podem ser prevenidos.
"Sinais de que nem tudo vai bem se manifestam e podem ajudar na
prevenção", explica Rafael Ortiz. Os primeiros sintomas costumam
aparecer, em média, depois de 10 anos da doença não tratada. Eles são
inicialmente sensorias: dor no pé, seguida da sensação de adormecimento.
Com o tempo, é possível perceber certos problemas, como a atrofia da
musculatura do membro inferior e deformações em forma do pé arqueado e
calos, devido à sobrecarga mecânica.
Nessa hora, é importante um
cuidado maior: observar se não há micose entre os dedos, cortar as
unhas retas, manter o pé hidratado e usar um calçado adequado. "O melhor
sapato é aquele que seja fechado e tenha um solado firme", esclarece
Ortiz. Se não houver cuidados, aparecem as feridas, que podem acabar
restringindo as atividades mais simples da vida do paciente, como, por
exemplo, andar.
A incidência mostra-se crescente com o avanço da
idade - o Ministério da Saúde estima que 17,5% dos brasileiros acima de
60 anos sofram dessa disfunção. E com ela, vem uma diminuição da
qualidade de vida da pessoa. "Para viver bem, o paciente deve prestar
atenção não só à sua glicemia, mas também à sua rotina", diz Cândida
Luzo, terapeuta ocupacional do Instituto de Ortopedia do HC.
Um
diagnóstico de diabetes significa, então, uma mudança de vida, que não
deve ser ignorada. "O descaso com a doença é um descaso com a própria
vida", adverte o doutor Rafael Ortiz. De acordo com a terapeuta
ocupacional, aprender a reorganizar o cotidiano é uma das melhores
formas de manter o corpo saudável. "Não é só andar muito que pode
acarretar em lesões para o paciente diabético, ficar de pé por longos
períodos também pode implicar em danos à pele", explica.
A
Organização Mundial da Saúde prevê que, em 2010, haverá 11 milhões de
brasileiros acometidos por Diabetes Mellitus. Uma pesquisa recente da
Fiocruz demonstra que 75% dos diabéticos não têm controle sobre a
doença.